terça-feira, 14 de setembro de 2010

O meu pequeno herói... parte III


Parecia um sonho!!! Estávamos há 4 meses em casa e a saborear cada dia, cada hora, cada minuto! Apenas nos deslocávamos ao Hospital Pediátrico de Coimbra para consultas de rotina, das diferentes especialidades médicas que seguiam o Rodrigo! Para ser franca, parecia tudo ainda tão irreal, que na primeira consulta de especialidade que tivemos após o internamento, eu fiz as malas (minha e do meu pequenito) e levei-as comigo a título de prevenção!!!
A vida sorria ao Rodrigo... estava a aumentar de peso, tinha mais tónus muscular, já conseguia segurar a cabeça e interagia muito comigo e com o pai, mesmo sem vocalizar grandes sons! Eram conquistas atrás de conquistas! A alimentação é que ainda permanecia um problema, pois continuava a ser alimentado por uma sonda naso-gástrica, através da qual eu lhe administrava o leite com auxílio de uma seringa! Como se isso não bastasse, continuava a vomitar diariamente, o que era um sinal que o "nissen" tinha ficado sem efeito! Quando chegou a altura de introduzir as sopas e papas, foi-me dada indicação para lhe oferecer tudo por boca, de maneira a que ele pudesse trabalhar o reflexo de deglutição que ainda estava adormecido! Apesar de um começo atribulado (não sei quem estava mais nervoso.. se eu ou o meu filho!) lá conseguimos que ele comesse um pouco de papa e sopa! Ao fim de duas semanas já comia um prato de papa, tudo por boca, e sem barafustar muito! (É de realçar que só conseguia dar-lhe uma refeição sólida por dia!)
Ao fim de 4 dias a fazer uma refeição sólida por dia, o Rodrigo começou com vómitos constantes, com o ventre muito dilatado e com a flora intestinal alterada! Ficou internado para fazer pausa alimentar e levar soro! Estes internamentos com esta sintomatologia voltaram a repetir-se mais 4 vezes, uma delas no seu primeiro natal, e todos eles ocorriam após eu dar ao meu filho refeições sólidas e de maior volume! Curiosamente, estes sintomas passavam quase que de imediato assim que lhe começavam a administrar o leite por débito contínuo (máquina que permite dar o leite gota a gota, controlando assim os volumes administrados)! Assim, o hospital acabou por nos emprestar uma dessas máquina, para o Rodrigo poder fazer uma alimentação controlada em casa!
Com esta nova modalidade de alimentação, conseguimos evitar internamentos nos 4 meses seguites! Mais uma vitória! Durante este período, o Rodrigo desenvolveu-se a olhos vistos, já vocalizava bastantes sons, estava a crescer bem e interagia bastante com todas as pessoas (já não era apenas comigo e com o pai)! No entanto, estava a fazer uma recusa alimentar ( entrava em pânico sempre que lhe tentavamos dar alguma coisa por boca) e continuava com vómitos diários!
Por este motivo, os médicos que o acompanhavam aconselharam-nos a avançar para uma nova intervenção cirúrgica, desta vez para colocar um botão de alimentação através de uma gastrostomia (é um botão colocado cirurgicamente directamente no estômago) e para refazer o "nissen" devido aos vómitos persistentes!
Aos 14 meses foi submetido à terceira cirurgia gástrica!!! Apesar da cirurgia ter corrido bem, o pós-operatório foi novamente um desastre! Nunca consegui que ele acalmasse depois de ter acordado da anestesia e nessa mesma noite fez uma paragem respiratória! Novamente o terror apoderou-se de mim... aquele sentimento de impotência era avassalador!!! Mas o meu menino é um lutador... recuperou os sentidos quase que de imediato e voltou a agarrar-se à vida com quanta força tinha! Fomos novamente transferidos para os Cuidados Intensivos, onde o podiam monitorizar mais de perto! Uma semana após a cirurgia, regressámos a casa... doce casa!!!
Nos meses seguintes à cirurgia, pudemos verificar que o Rodrigo tinha deixado de vomitar, mas apareceram um novo conjunto de sintomas que lhe garantiram estadias frequentes nas instalações do serviço de Medicina do Hospital Pediátrico! Começou a ser seguido pelo serviço de Gastroenterologia, que posteriormente o encaminhou para o serviço de Neurologia por concluir que os sintomas não eram exclusivamente do aparelho gástrico e pareciam ter implicações neurológicas! De facto, o Rodrigo estava a fazer crises cíclicas (com intervalos de 3 semanas), durante as quais estava 4 dias num estado de desconforto extremo (perceberam que não era dor pois tomou analgésicos bem fortes, sem qualquer diminuição do desconforto), sempre a chorar e a contorcer-se, muito nauseado (puxava o vómito com muita frequência mesmo em pausa alimentar), com sialorreia (hipersalivação) e elevada sudorese! Ao fim de 4 dias os sintomas paravam quase que "magicamente" e eu tinha o meu Rodrigo de volta!!!
O período entre os 14 e os 19 meses foi caracterizado por internamentos sucessivos que já obedeciam a uma rotina: 3 semanas em casa e uma no hospital! O cansaço começou a apoderar-se de mim, estava esgotada tanto física como mentalmente e já não conseguia manter a calma necessária nos momentos mais críticos! Eu era uma bomba relógio prestes a explodir... pelo menos era como me sentia! Cada vez que o Rodrigo começava uma crise, toda eu tremia por dentro, só de pensar que tería de estar mais uma semana no hospital, sem dormir, a ouvir o meu filho a chorar, a vê-lo a ser picado, sedado e anestesiado para nada... pois as respostas às minhas perguntas continuavam a não aparecer! Foi o meu momento mais negro desde o nascimento do meu filho... sabia que me estava a "afundar" e por isso mesmo, senti que precisava de fazer alguma coisa! Não podia ficar de braços cruzados e inerte... não faz parte do meu feitio! O meu filho e o meu marido precisavam de mim!!! Eles eram a força que eu precisava!
O primeiro passo foi ficar com o meu filho em casa durante as crises: comecei eu a avaliar o estado dele durante estes episódios, continuava a administrar-lhe o leite pela máquina, para ele não desidratar, e muito lentamente, para evitar que ele puxasse o vómito! Como estava mais calma, conseguia ler melhor os sinais que ele me transmitia e, assim, adaptar o ambiente de forma a que ele ficasse mais calmo! Apercebi-me que em casa, as crises do Rodrigo não tinham tanta força! Fantástico... tinha ganho uma batalha, mesmo que ainda não tivesse ganho a guerra!
O segundo passo foi procurar ajuda profissional! Sabia que não estava bem e mais valia admiti-lo para poder seguir em frente! Para além disso, encontrei muito apoio no grupo de auto-ajuda "Diferentes e Especiais", pois lá todos falamos a mesma língua, pelo que se torna mais fácil desabafar!
Com o passar do tempo fui recuperando a minha garra!!! Voltei a ser eu, mas com um "upgrade"...
O Rodrigo teve o papel principal nesta minha recuperação! De facto, as crises começaram a espaçar, primeiro com um intervalo de 6 semanas e, finalmente, com um intervalo de 4 meses! Os progressos que ele tem vindo a fazer inundam-me o coração e a alma de alegria; e cada vez que ele me faz um sorriso eu sinto-me a mãe mais sortuda do mundo!
Afinal tenho um menino que é verdadeiramente Feliz... é um verdadeiro Felizardo!!!

O meu pequeno herói... parte II


O Rodrigo permaneceu nos cuidados intensivos do Hospital Pediátrico de Coimbra cerca de 1 semana e meia após o despertar do coma! Foi necessário deixar o corpo dele ganhar forças e permitir que os orgãos voltassem a trabalhar sozinhos de forma a poder retirar-lhe o ventilador e o pacemaker externo (que permanecia ligado ao coração, através de dois fios pequeninos cosidos no peito)! Findo esse tempo, foi transferido para o serviço de Medicina onde deveria continuar com o antibiótico intra-venoso o tempo necessário até a bactéria estar totalmente eliminada!
Os progresso eram visíveis de dia para dia: estava com mais tónus muscular e aumentava de peso de forma constante! No entanto, ao fim de alguns dias, o peso diminuíu drasticamente: perdeu sensivelmente 100g em 24 horas (podem pensar que não é muito, mas para um bebé de 3 meses e meio a pesar 3Kg, 100g faz toda a diferença!); e mais de 200g em 48h! Eu podia vê-lo a definhar nos meus braços!!! Fui inundada por um sentimento horrível de impotência... ver o meu filho a partir e não poder fazer nada! Foram feitos uma série de exames para tentar perceber a origem desta perda de peso e todos eles se revelaram infrutíferos! Estávamos a ficar sem tempo... entretanto o desespero tinha tomado conta de mim! Numa derradeira tentativa, uma das médicas cardiologistas deste serviço, decide fazer uma TAC cardíaca, num Domingo, às 22:00h (lembro-me perfeitamente do dia e das horas, pois não me vou esquecer da cara do radiologista, que deixava transparecer a "alegria" de quem tinha sido arrancado do sofá da sua sala num domingo à noite!!!).
Finalmente uma resposta, não muito animadora é certo, mas pelo menos os médicos já saberiam o que fazer! Afinal o Rodrigo tinha colapsado o pulmão esquerdo devido ao aumento de volume do coração (frequente após as cirurgias de coração aberto) e devido a uma hérnia do hiato (porção do estômago que sobe para a caixa toráxica, pelo diafragma)! Os médicos estavam incrédulos pois as saturações que o Rodrigo apresentava de oxigénio no sangue nunca tinham descido abaixo dos 96%, o que não constituía uma pista para o diagnóstico! Foi marcada uma broncoscopia (intervenção médica através da qual se aspiram as secreções que entopem os brônquios) de emergência para o dia seguinte, onde lhe conseguiram insuflar o pulmão! Infelizmente, na semana seguinte voltou a colapsar o pulmão e repetiu a broncoscopia! Apesar desta intervenção resolver o problema no imediato, não era uma solução definitiva! Assim, os médicos abordaram-me para propôr nova cirurgia ao estômago: desta vez para eliminar a hérnia do hiato e para fazer um "nissen" (que é uma espécie de gravata que fazem à volta do esófago, utilizando parte do estômago de maneira a impedir ou diminuir acentuadamente o número de vómitos)! Apesar de estarmos assustadíssimos, tanto eu, como o meu marido concordámos em fazer a cirurgia, pois da maneira como o Rodrigo estava não seria possível trazê-lo para casa!
Sendo assim, aos 4 meses de idade fez a segunda cirurgia gástrica, com sucesso e com um pós - operatório sem sobressaltos! Finalmente... o meu coração também já precisava de um intervalo!!!
Com 5 meses, o Rodrigo teve alta do hospital e pôde disfrutar da sua casa alguns meses seguidos, sem interrupções! Apesar de ser o que mais desejávamos... estar em casa com o nosso menino... lembro-me de que tanto para mim como para o meu marido, esse foi um momento "agridoce"! De facto, tanto mês a contar com o apoio das (os) enfermeiras(os) e a observar constantemente os equipamentos que monitorizavam os sinais vitais do Rodrigo... de repente sentimo-nos desamparados! A primeira noite foi angustiante, pois de cada vez que o meu menino se mexia na sua caminha, eu levantava-me logo e punha-me a percorrer o quarto com os olhos à procura do oxímetro (aparelho que mede as saturações de oxigénio no sangue)! Este regresso "agridoce" foi mais fácil de ultrapassar devido à dedicação e esforço da nossa enfermeira de referência, a nossa querida Enfermeira Elisa, que viajou ao nosso lado nesta montanha russa de emoções e soube sempre ter a palavra certa e um ombro amigo em todos oa momentos!
Para um maior esclarecimento, devo informar que no serviço de Medicina deste hospital, é destacada a cada família com internamentos prolongados ou tratamentos crónicos, uma enfermeira (o) de referência, a quem a família recorre para esclarecimento de dúvidas, apoio, para servir de mediador com a equipa médica, etc. É uma iniciativa que deve ser distinguida e deve ser tomada como exemplo pelos restantes serviços e hospitais de pediatria, pelo país fora!

... to be continued!